De acordo com o International Federation of Alternative Trade (IFAT), o Comércio Justo é uma estratégia mundial para diminuição da pobreza e de fortalecimento do desenvolvimento sustentado, que vem conseguindo gerar oportunidades para produtores que, até então, estavam sendo explorados economicamente ou se encontravam à margem do chamado comércio convencional.
Levantamento histórico, demonstrado em pesquisa realizada pelo SEBRAE-DF (2004), indica que existia uma preocupação das pessoas envolvidas na agropecuária com ainjustiça nas relações próprias ao comércio internacional e com o tratamento abusivo dado a trabalhadores nas então colônias daEuropa no século XIX. Somente nos anos de 1940 e 1950 é que aconteceram as primeiras ações concretas na busca de solução desses problemas.
Todos os movimentos relacionados ao Comércio Justo partiram de iniciativas de pessoas ligadas a entidades religiosas ativas, em missões e em países do então chamado terceiro mundo. A partir do final da década de 40, esses missionários começaram a levar objetos de artesanato da produção das comunidades que acompanhavam, para ajudá-las a gerar renda própria. Inicialmente, a comercialização era totalmente informal, baseando-se na rede de contatos dessas pessoas e de suas organizações religiosas.
Já no decorrer da década de 70 ocorriam iniciativas de comprar também produtos agrícolas diretamente dos produtores. Na Suíça, por exemplo, surgiu a Gebana (de gerechte Banane, ou banana justa), em 1978, e já se abriam espaços nos supermercados para esses produtos. Em meados de 1980, o movimento recebeu novo impulso e, em 1986, pequenos agricultores do México pediram que, ao invés de enviarem ajuda humanitária, lhes comprassem café a um preço justo. Naquela época o preço do café, além de outras matérias-primas agrícolas, nos mercados internacionais de commodity, estava abaixo de seus custos de produção, condenando milhões de famílias, em toda a América Central, ao êxodo rural, se não houvesse outra alternativa.
A partir daquele pedido, foi desenvolvida por uma entidade holandesa uma estratégia de apoio e notadamente à comercialização, que culminou com a criação da marca de produto (Trade Mark) Max Havelaar, lançada em 1988. O nome Max Havelaar é altamente significativo; ele é o personagem de um livro, que em 1859 reclamava perante as autoridades do governo colonial das então Índias Holandesas Orientais, hoje Indonésia, sobre as condições desumanas vividas pelos trabalhadores locais.
Em 1989, na Holanda, foi criada a International Fair Trade Association (IFAT), uma rede global de organizações de comércio justo. Durante a década de 1990, o comércio justo cresceu consideravelmente, sendo criada em 1994, a Fair Trade Federation em Washington, EUA, reunindo produtores, importadores, atacadistas e varejistas. Em 2002 a nova marca global de Comércio Justo foi lançada no mundo, identificando empresas e produtos certificados.
Por fim, em janeiro de 2004, foi lançada também a marca global da IFAT, identificando as organizações que atendem aos critérios de Comércio Justo. Desta forma, uma loja tipo world shop poderá usar a marca, enquanto que um supermercado que apenas mantém alguns itens de Comércio Justo, não terá o direito de usá-la.
Os atores
Os produtores estão no coração de todo o movimento, produzem e exportam suas mercadorias e, para isso, devem estar organizados em associações ou cooperativas, sendo estimulados a participar mais do restante da cadeia dos negócios. Em Gana, por exemplo, existe uma cooperativa de plantadores de cacau, que é sócia de empresa que, no Reino Unido, atua na importação, beneficiamento e comercialização de chocolate.
Boa parte dos grupos de produção não tem experiência ou estrutura para cuidar da exportação de seus produtos; em alguns casos, eles mesmos criam uma empresa para isso, em conjunto com outras entidades de apoio. Apesar de positivo o fato de se aumentar a cadeia de distribuição, é necessário mais que isso para garantir o bom funcionamento dos negócios. Estas empresas normalmente são também associadas das entidades internacionais, sendo cadastradas como traders (STEFANELO, 2002).
Os importadores atuam como atacadistas e distribuidores e, às vezes, atuam também diretamente como varejistas, apoiando seus parceiros de produção no desenvolvimento de produtos, com capacitação e, em momentos de dificuldades econômicas e sociais, promovendo ou participando de campanhas de conscientização, tendo como assuntos, por exemplo, a injustiça comercial. Essas atividades integram e se articulam por meio de redes de troca de informações com ONGs de desenvolvimento, agências de ajuda humanitária, centros educativos, etc. e fazem lobby para promover mudanças também no nível político (SEBRAE, 2004).
A dimensão atual do movimento
De acordo com dados da Fair Trade Labelling Organizations International (FLO), de 2003, o Comércio Justo certificado cresceu a taxas anuais acima de 18%, entre 1997 (ano em que começaram os levantamentos internacionais) e 2002. Em 2003, essa modalidade de comercialização movimentou mais de 77.248 toneladas de produtos certificados, envolvendo 18 países, o que representou um aumento de 31% em relação ao ano anterior (em termos de volume) e aproximadamente US$ 500 milhões. Cerca de 800 mil famílias na África, América Latina e Ásia foram beneficiadas por essa estratégia de comércio.
De acordo com a fonte supracitada, o pagamento extra (prêmio acrescido ao valor da mercadoria)para os produtores certificados de Comércio Justo já somou mais de US$ 38,8 milhões, mundialmente. Os principais mercados, hoje, são Suíça, Reino Unido e Alemanha, enquanto a França, a Áustria e a Noruega apresentam as maiores taxas de crescimento, com percentuais acima de 100%. A gama de produtos certificados pela FLO vai de café, chá, arroz, cacau, mel, açúcar e frutas frescas, chegando até a produtos manufaturados tais como bolas de futebol, artigos que são vendidos em mais de três mil world shops e
entre 70 mil a 90 mil pontos de venda convencionais, incluindo supermercados, lojas de produtos naturais etc.
Dados da FLO demonstram ainda que as bananas representaram 62% do volume total comercializado em 2002, café 27%, cacau e chocolate 3%, sucos de frutas, chá e mel 2%, açúcar e arroz 1%, além de frutas in natura, como abacaxi, manga e frutas cítricas, diante de um volume estimado em US$ 580 bilhões do bolo de comércio global, constata-se que o Comércio Justo representa ainda menos de 0,1% desse total.
O perfil dos consumidores
Entrevistas sobre a representatividade do setor no Reino Unido revelaram que a maioria das empresas vê seu alvo como sendo formado pelo público feminino das classes A e B, com idade acima de 35 anos, ou de mulheres com um tipo de consciência mais novo, ainda que a pesquisa tenha revelado que homens estão aderindo ao Comércio Justo, começando a influenciar as compras de algumas mulheres. Este perfil é válido também para a maior parte dos outros países (GFK, 2004).
De acordo com a IFAT, há clientes para todos os padrões de produto, desde o barato ao mais caro. Muitas empresas identificaram consumidores que estão dispostos a gastar bastante quando acreditam que o produto tenha um valor especial, por isso Fair Trade é potencialmente muito maior que somente um mercado de nicho; no entanto, exige que seja realizado um trabalho de marketing consistente para cada caso.
Transparência, preço justo e responsabilidades
O Comércio Justo envolve gestão transparente e relações que tratam, de forma justa e respeitosa, os parceiros comerciais. Um preço justo no contexto regional ou local, acordado mediante diálogo e participação, cobrindo os custos de produção e permitindo uma produção socialmente justa e ecologicamente segura, além de proporcionar pagamento justo para os produtores e levar em consideração o princípio do pagamento igual para trabalho igual de homens e mulheres. Os agentes envolvidos garantem pagamento imediato para seus parceiros e, sempre que possível, ajudam os produtores com o acesso a financiamento antes da produção ou da colheita (SEBRAE, 2004).
No Comércio Justo um ambiente de trabalho seguro e saudável para os produtores é primordial, a participação de crianças na ajuda dos trabalhos no campo não deve afetar negativamente seu bem-estar e segurança, nem suas obrigações educacionais e a necessidade de brincar, devendo haver consonância com a convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança, bem como as leis e normas vigentes no contexto local, além de estimular ativamente as melhores práticas ambientais e a aplicação de métodos responsáveis de produção (STEFANELO, 2002).
Previsões de mercado
O Comércio Justo tem expectativa de mostrar crescimento de 20 a 25% em volume de produção e valor para atingir um nível de 150 mil toneladas, o que corresponderia a aproximadamente US$ 1 bilhão, em 2007. A Escandinávia e Estados Unidos têm alcançado excelentes resultados e, ainda que certos mercados da Europa continental (incluindoReino Unido e França) também continuem a crescer, o desenvolvimento de novos produtos certificados beneficiará o mercado como um todo (SAFRAS, 2004).
Considerações finais
O Brasil possui poucos produtores certificados pela FLO, representando menos de 4,5% do total, produzindo laranja, café, manga, banana e artesanato, ficando atrás de países como Bolívia, Peru e Colômbia. É preciso aumentar sua presença no cenário internacional e definir em termos claros o que será o Comércio Justo/Ético e Solidário no mercado interno, criando um sistema de certificação nacional e um selo com reconhecimento internacional.
O Comércio Justo torna-se a cada dia mais uma excelente alternativa de desenvolvimento. Porém, é necessário que alguns pontos sejam considerados para fortalecimento desse movimento, como a criação de novos produtos, aumento na distribuição e da disponibilidade, garantia da qualidade, divulgação das marcas e conscientização dos consumidores. Espera-se que as grandes empresas adotem, por iniciativa própria, mais práticas desse Comércio Justo no futuro. A principal lição a ser aprendida com o movimento internacional de Fair Trade é que, para construir este mercado, é preciso ter realismo, pragmatismo e profissionalismo.
REFERÊNCIAS
GFK. Indicador. Pesquisa de Mercado. Descobrindo o consumidor consciente: uma nova visão da realidade brasileira, 2004.
INTERNATIONAL FAIR TRADE ASSOCIATION. Fair Trade. Holanda, 2003.
SAFRAS & MERCADOS. Competitividade e desafios do agronegócio nacional. Porto Alegre, 2004.
SEBRAE. Comércio Justo: pesquisa mundial. Brasília, 2004.
STEFANELO, Eugênio L. Agronegócio Brasileiro: Propostas e Tendências. Revista Faebusiness, n.3, set. 2002.